17 de abril de 2008

Ressuscita-me



[revisto e atualizado]

Mayakovsky, autor do poema musicado por Caetano Veloso e interpretado no vídeo acima por Renato Braz, foi um poeta visionário. Sofria com a fome, a miséria e a injustiça na Rússia no início do século XX.

Combateu as mazelas de seu país com palavras, pensamentos e atitudes. Queria ressurgir para transformá-lo, mas viu-se pequeno e incapaz diante da grandeza do sofrimento humano e, em 1930, aos 37 anos, suicidou-se frustrado com a impossibilidade da ressurreição e da transformação.

Vinte séculos antes, no entanto, um desconhecido judeu reacionário em um canto obscuro do poderoso império romano, havia elevado aos céus grito semelhante. O assombroso, nesse caso, é que ele foi atendido. O espetacular, em relação a toda humanidade, é que quando aquele clamor foi atendido, a resposta estendeu-se a todos. Diante de Cristo, ressurreição e transformação são reais.

“... estávamos mortos em nossos delitos e pecados... mas Deus nos ressuscitou com Cristo” (Ef 2:1-6).

O absurdo do cristianismo histórico, especialmente a versão reformada, é entender a ressurreição como um fim, como o objetivo da jornada do cristão. Se ressuscitamos, se já desfrutamos da eternidade, há de haver um motivo, um objetivo, uma razão maior que desfrutar do ‘céu’. Mayakovski queria ressurgir para lutar contra as misérias do cotidiano, para encerrar os amores servis, para que ninguém mais tivesse de sacrificar-se por uma casa ou um buraco. Paulo queria algo semelhante:

“... para mostrar a graça... para fazermos boas obras” (Ef 2:7-10)

Jesus, como Paulo intuiu com precisão, veio anunciar a chegada de um Reino! “O Reino dos céus está próximo” – ao alcance das nossas mãos. Ele já está entre nós e nós somos responsáveis por sinalizar isso! Os evangelhos estão repletos de referências a um Reino entre nós, a respeito do qual somos responsáveis e que deveria ser nossa prioridade (Mt 6.33 - Mt 18.4 - Mt 25 - Mt 21.28-31, 43 - Mt5).

Com cristãos, temos que abandonar a visão escapista de “ir para o céu”, ou a visão acomodada de um Deus intervencionista que virá colocar tudo em ordem por nós. Temos que abraçar as visões proféticas e revolucionárias de artistas e poetas como Mayakovsky.

Fazer discípulos é fazer pessoas que, assim como Jesus, ajam em favor do Reino. Já pensou? Pessoas imitando Jesus e levando outras pessoas a o imitarem*. Essa é a função do Evangelho do Reino, da nova vida em Cristo. Esse é o motivo do nosso clamor:

Ressuscita-me!

O AMOR
Letra: Mayakovsky
Música: Caetano Veloso

Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa
eles a ressuscitarão
O século 30 vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo que não podemos amar na vida
Com o estrelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
Ainda que mais não seja
Porque sou poeta e ansiava o futuro
Ressuscita-me
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida
Para que não mais exista amores servis
Ressuscita-me
Para que ninguém mais tenha
De sacrificar-se por uma casa ou um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja, pelo menos, o universo
E a mãe
Seja, no mínimo, a terra
A terra, a terra

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* É sempre bom lembrar, para o leitor desatento, que devemos fazer discípulos de Cristo e não nossos, como nos induzem a crer as hierarquias de ‘autoridade espiritual’.
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Ventilado a partir do sopro original de Gladir Cabral.

6 comentários:

  1. Lindo de morrer e ressuscitar... :)


    Realmente mt bom os poemas de Maiakovski...

    “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz.”

    “Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor.”

    Ambas também dele...

    Abração Tuco (me linka no seu blog dps)
    Fique na Graça!

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  2. Maiakovski me traz a mente uma canção do Zeca Baleiro, onde ele canta e me estremece, pois pareço encontrar ali meu obscuro destino:

    "não quero ser triste
    como um poeta que envelhece lendo Maiakovski na loja de conveniência."

    Que o espírito de Maiakovski nos anime a "dinamitar a ilha de Manhattan", tal como canta nosso Drummond.

    Abraços.

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  3. Obrigado pelo toque Tuco, já troquei no título o nome!


    Abraços fraternos
    Fique na Graça

    ps. estou lendo outro livro do Dostoiévski (já lih Crime e Castigo) agora estou a ler> Recordações da casa dos mortos...

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  4. Mais uma vez, falou e disse... Eu tenho absoluta certeza que devemos obedecer a tudo aquilo que Jesus nos pede. Não sei bem qual a sua religião, peço desculpa se não for a mesma da minha e você não concordar com o que eu digo aqui. Mas eu sinto a necessidade de falar da sabedoria de Deus.
    Sabedoria e amor. Criou cada pessoa que está ao nosso redor... criou as plantas, os animais, as bactérias (=D), os anjos, os santos, uma mãe muito especial (Maria), e gerou de Si seu filho unigênito. Tudo isso porque Ele sabia que agradaria a nós, que nos ajudaria a caminhar. Foi por isso mesmo que Ele criou a Igreja Católica, não como uma entidade a que as pessoas podem ir quando acharem que devem, um dia aqui e outro lá, ou para fingir diante da sociedade ter consciência de que devem ir, mas não cumprir o que o Evangelho ensina...
    A Igreja deve um lugar de unidade, onde as decisões dos rumos da comunidade podem ser tomadas em comunhão, o lugar onde podemos nos prostrar humildemente, alegar sinceramente a nossa felicidade em estar aos seus pés e nos alimentarmos dEle.
    É importante que saibamos que Deus lança continua e intensamente sua graça para a Igreja Católica, a que Ele tanto planejou com imenso carinho e para a qual fez tantas promessas de vitória. Entretanto, os próprios católicos não promovem aquilo que pregam, usa a religião como um setor da sua vida, e não como sua própria vida, e permitem isso ou aquilo, escolhem os próprios passos... Aqui retorna aquilo que você reclamou no seu texto, escolher os próprios passos, não sendo verdadeiramente, discípulos de Cristo.
    A Igreja Católica sofre com os erros dos "fiéis", mas ela, em si, é santa, porque é para ela que Deus se volta com um carinho todo especial. A infabilidade do Papa está em ouvir o sopro do Espírito Santo, e a partir daí, poder decidir quanto às questões morais, como se deve-se ou não aceitar o aborto... entretanto, na sua vida pessoal, ele segue como bem definir, muito embora Deus conceda toda a força necessária para que ele caminhe na "linha". Pense na Igreja sempre como a comunidade inteira, como o coração de cada um e todos unidos ao mesmo tempo. É um mistério de fé.
    Antes de condenarmos a nossa Igreja, façamos como Maria fez na sua época... Silenciemos nossos corações, recebamos o sinal do Espírito Santo e ajamos para tornar a comunidade cada vez mais santa, assim como a Igreja.
    Espero ter ajudado, de coração, grande abraço! Luz e paz!

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  5. Amigo "...", obrigado por comentar. Fico feliz pelo texto ter lhe servido de algo. Apesar de eu não ser 'Católico' no sentido institucional, sou 'católico' no sentido universal. E como católico no sentido universal, irmano-me com você no sentido de sermos discípulos de Cristo. Um abração. Apareça :-) .

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  6. lindo poema, como tantos outros do maiakovski,
    eu pensava q fosse do caetano mesmo..

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