7 de outubro de 2015

O salto

Climério despencava ao chão atabalhoadamente. Arrependera-se de se ter lançado de cima do rochedo. A vida, enfim, parecia-lhe agora não tão dura, não tão sem saída, não tão desgraçada. Mas salto dado não tem volta, e sobre isso havia pensado um sem número de vezes antes de atirar-se.

Quem olhava de longe, atônito, tinha a sensação de que o movimento descompassado de braços e pernas era uma busca desesperada e vã por ter onde agarrar-se, por ter com evitar o impacto, por ter como bater asas e voar. Climério fechara os olhos e movia-se sem o menor controle, sem consciência, como se o corpo tivesse se separado da mente e tomado vida própria. Como galinha degolada correndo no terreiro.

O que lhe restara de razão flutuava num hiato do tempo em memórias doces que há muito estavam escondidas. Lembrava de uns poucos sorrisos, do beijo de uma menina cujo nome se fora, de gargalhadas de criança, suas próprias gargalhadas, dos pés descalços de Anamaria, do abraço de Gabriel. Lembrava da mãe pondo-lhe feijão no prato e do cheiro do feijão. Ah, o cheiro do feijão.

Em pleno voo Climério deu-se conta de como lhe fora doce a vida, a mesma vida que há pouco parecia um inferno. O desespero do salto lhe furtou as dores, as angústias, a solidão. O horror da queda descortinou os detalhes encantadores de uma vida desbotada e cinza, aspergindo cores e perfumes sobre o flagelo da existência.

"Valia a pena", pensou Climério logo antes do impacto. E sentiu o tapa quente da superfície da água seguido do frio intenso do fundo do rio de serra. Voltou à superfície entre gargalhadas e berrou para Anamaria: "Vem! A água tá uma delícia".

2 comentários:

  1. Mandou benzão nesse tb. Curti. A construção me lembrou um tanto aquele seu outro da estrela/cometa que cai no cidadão (que aliás volta e meia me volta à memória).

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